Holanda, 12 de março, 2019
Por Fatima de Kwant
Sem dúvida, um dos maiores desafios para quem convive com uma pessoa autista – e para ele próprio – é o comportamento agressivo que muitas apresentam, temporaria ou crônicamente. Para falar de um tema tão amplo, é preciso fazer uma rápida busca no seu significado.
Um pouco de história sobre agressão
Freud desenvolveu sua Teoria da Agressão (em 1923) como um impulso constitucional nato, inerente ao Homem, que pode ser controlado pelo ambiente e pela socialização. Já Geuk Schuur (2009) disse que agressão é uma interação entre o Homem e o ambiente no qual vive, resultado da insatisfação do Homem com as circustâncias. Estas, tanto podem ser uma resistência a regras e normas estipuladas, assim como resultado de uma ausência de competências sociais.
Por último, Hansen (1997), disse que não é a insatisfação, mas o medo, a base da agressão, a que prefere chamar de “problema de comportamento”.
Seja como for, a agressão é um grande desafio que acompanha os autistas e deve ser identificada sua causa, e definida como comportamento preocupante e prejudicial para a pessoa autista e seu meio ambiente. No caso, é preciso saber com que frequência, tempo de duração e intensidade o comportamento agressivo do autista ocorre.
Os quatro tipos de agressão
Van der Ploeg (2009) define a agressão, que pode ser ou não intencional, o comportamento que viola regras formais ou informais. Ele a classificou em quatro tipos:
- Agressão física
Uma expressão óbvia de agressão, com uso de força física para atingir outra pessoa. Chutar, bater, arranhar, cuspir, agarrar são alguns exemplos.
- Agressão Relacional
Também descrita como Agressão Social. Significa dano proposital através de manipulação, e dano de relações pessoais. Fofocas, boatos mentirosos sobre pessoas, subjugação, pressurização, e ignorar o outro (não reconhecimento de) são modos como essa forma de agressão é usada.
- Agressão Reativa
Essa forma de agressão é externada quando existe uma situação ameaçadora ou frustrante. Essa expressão agressiva tanto pode ser verbal quanto física. Comportamentos de agressão reativa podem ser: a não aceitação de contradição, uma reação ao bullying, a algo que foi retirado (tomado) da pessoa, ou um toque inesperado.
- Agressão Proativa
Quando agressão é usada para conseguir algum resultado calculado. Também conhecida como Agressão Instrumental. Tanto pode ser física quanto verbal. A intenção é a de dominar o outro. Para conseguir os fins desejados, este tipo de agressor pode fazer uso de provocação, bullying, ou ameaça.
Agressão no autismo
A agressão não é inerente ao autismo, sim, a todo ser humano. Um dos nossos instintos básicos, com a reação de fugir, lutar ou congelar. No caso, o de evitar a agressão, saindo de perto do que/quem lhe agride; encarar a agressão, reagindo igualmente de modo agressivo; não reagir, tampouco fugir (passivo).
A complexidade do autismo torna tudo à sua volta igualmente complexo, assim como a externalização da sua agressão – quando ela existe*. Seria lógico afirmar que o tipo de agressão mais comum no autismo é o descrito no item 2, acima: a agressão reativa. Isso porque os autistas reagem ao meio ambiente de acordo com sua percepção sensorial e pela percepção individual que têm do mundo. Sendo assim, qualquer situação e/ou pessoa que desafiasse suas percepções seria “punida” com um comportamento agressivo não intencional (defensivo).
No entanto, não podemos esquecer os fatores que também contribuem para outras manifestações de agressão pela pessoa autista:
- Comorbidades: Bipolaridade, Narcisismo, Transtorno Opositor Desafiador, Transtorno Múltiplo e Complexo do Desenvolvimento, Borderline, etc.
- Ausência de empatia (não necessariamente sintoma do autismo)**
- Teoria da Mente prejudicada (dificuldade de entender ações, intenções ou necessidades de outras pessoas, o que diminui a compreensão da situação em seu todo
- Teoria da Coêrencia Central prejudicada (fixação em detalhe em detrimento do contexto)
- Deficit das Funções Executivas (perda do auto-controle das emoções)
- Meio ambiente – histórico familiar/ambiental de comportamento agressivo.
A agressão no autismo, em geral, tem ainda mais causas:
- Dores (dente, cabeça, barriga, menstruação, etc.)
- Transtorno do Processamento Sensorial (TPS) (toques, odores, ruídos inesperados, etc.)
- Problemas graves de Comunicação (ausência da fala, e de expressão alternativa)
- Medo (o mais frequente)
- Problemas do sono (agitação noturna, estresse emocional resultando em falta de descanso físico.
- Imprevisibilidade da rotina (mudanças de rotina, viagens, falecimento, nascimento de um irmão, separação dos pais, etc.)
- Falta de segurança
- Falta de compreensão
- Libido sexual, mudanças hormonais.
- Impotência emocional (sentir muita coisa ao mesmo tempo e não conseguir se expressar ou fazer compreender).
- Mudança de medicação ou tolerância à medicação regular.
O autista não é naturalmente agressivo. Cuidadores primários (família) e secundários (professores e terapeutas) devem dar muita atenção ao problema para que a agressão não se instale como hábito do autista evitar situações, pessoas ou momentos indesejados por ele.
Fatima de Kwant
A palavra-chave é COMUNICAÇÃO
Tratamento
O foco deve ser na identificação da agressão, tipo, causa e planejamento de atividades/terapias que eliminem esse comportamento. A palavra-chaves é: Comunicação. Dependendo do grau de autismo, sua funcionalidade, e nível de intelectualidade, pode-se fazer uso de diversas terapias direcionadas para o indivíduo, considerando seu tipo de autismo, seus gostos e preferências. Sendo assim, faz-se uso (ou não) de tabelas estruturadas, histórias sociais, Terapia Cognitiva e Comportamental, atividades esportivas, medicação, e demais orientações que irão depender do que for definido pelo especialista em autismo. Numa menção mais ousada – não é o campo de especialidade da autora, porém vale registrar -, pesquisas sobre o uso do Canabidiol e Oxytocina no tratamento da agressividade no autismo.
Lembre-se, a agressão é comportamento; um comportamento que não pode ser tolerado, que deve ser encarado com muita seriedade por todos que zelam pelo bem estar da criança, adolescente, ou adulto com TEA.
*Nem todos os autistas demonstram comportamento agressivo.
**A falta de empatia entre autistas é um mito. Os autistas podem ter tanta (ou mais) empatia que pessoas neurotípicas. O que as difere é a sua expressão de empatia. No entanto, é possível que alguns autistas não a tenham, da mesma forma que pessoas não autistas podem não ter empatia.
Fatima de Kwant é especialista em Autismo & Desenvolvimento e Autismo & Comunicação, radicada na Holanda desde 1985. É mãe de um autista adulto, escritora de textos sobre o TEA e criadora do Projeto Internacional Autimates.
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