Provavelmente você nunca escutou falar do assunto, mas muitas famílias com autismo, sim.
Atualmente, um dos assuntos mais comentados dentro do campo do autismo (e hiperatividade) diz respeito à conexão existente entre o intestino e o cérebro. O fato de algumas famílias obterem uma grande melhoria dos sintomas autistas – se não a erradicação de muitas comorbidades – após as intervenções biomédicas, vêm, gradativamente, chamando a atenção de muita gente, tanto de leigos quanto de profissionais. Estas intervenções têm como base o princípio de que existe, de fato, uma barreira entre o intestino humano e seu cérebro, o que, basicamente quer dizer que os alimentos ingeridos produziriam um efeito neurológico, afetando o comportamento.
Isso aconteceria porque substâncias no intestino têm um tremendo impacto sobre o cérebro.
Intestino é como uma enorme fábrica onde trilhões de substâncias se encontram em estado super ativo no metabolismo. Se essa atividade não é bem balanceada, microrganismos como bactérias, fungos e germes podem se proliferar, causando um efeito bem dramático no neurodesenvolvimento de um indivíduo. Esse processo pode acontecer com qualquer pessoa. Neste texto, porém, vou-me ater ao autismo.
Crianças vulneráveis
Nossas crianças com autismo – e/ou hiperatividade – são extremamente vulneráveis às toxinas do meio ambiente, assim como às toxinas do seu próprio metabolismo. Existem certos elementos numa dieta, especificamente o glúten e a caseína (derivados do leite), que não são digeridos completamente por muitas crianças com autismo e hiperatividade. Devido à digestão insuficiente, o glúten e a caseína acabam por produzir opióides endógenos, componentes de atividade cerebral similares com a morfina. Deste modo, a dieta pode ter um profundo efeito no cérebro destas crianças. Em outras palavras, é como se elas estivessem ‘drogadas’.
Não é raro que médicos integralistas e nutricionistas relatem que algumas crianças autistas chegam a seus consultórios apresentando olhar vago, pupilas dilatadas, não interagem e apresentam um comportamento inapropriado. Além disso, elas parecem ter um desejo incrível por alimentos contendo glúten e leite, como nugget de frango, macarrão com queijo, danoninho etc. Quando o glúten e os laticínios são retirados de suas dietas, eles entram num verdadeiro processo de reciclagem. Não todas as crianças – e não todas ao mesmo tempo -, mas muitas crianças, sim.
Ao introduzir a dieta, crianças que demonstram seletividade alimentar e dieta rica em glúten, caseína e açúcar podem ficar muito agitadas, hyper, irritadas ou, ao contrário, podem ficar letárgicas e “no mundo da Lua”. Neste período, a tendência dos pais é a de desistir. Se puderem, aguentem firme: essas reações (naturais da desintoxicação) vão sumir! Talvez seja por dois dias, mas pode levar uma semana ou mais. Ser consistente é primordial.
Não raramente ouve-se que após algumas semanas de dieta, algumas crianças fazem contato visual pela primeira vez, abraçam e beijam seus pais ou dizem frases que antes nunca haviam dito. Isso aconteceu com meu filho e com os filhos de muitos conhecidos. Vem acontecendo, continuamente, com crianças através do mundo inteiro.
Síndrome do Intestino Vazado – Leaky Gut Syndrome.
Numa análise mais profunda, nota-se que muitas crianças com autismo e problemas intestinais têm um histórico familiar de autismo, esquizofrenia, depressão, câncer do intestino ou a doença metabólica, doença celíaca. Não necessariamente, mas frequentemente encontra-se na família um ou mais casos. Vale a pena notar que algumas crianças com autismo não têm um evidente problema intestinal. No entanto, ao iniciarem a dieta, seus pais podem perceber notáveis mudanças positivas em seu comportamento.
O Intestino Vazado refere-se à condição intestinal na qual a ingestão e o transporte dos alimentos, vitaminas e minerais, ficam perturbados. O papel do “villi” – estrutura em forma de dedos que se encontra na superfície da parede (mucosa) do intestino delgado – tem um papel de destaque. Essa estrutura aumenta muito a área intestinal e, com isso, sua capacidade de ingestão.
Restos de alimentos não bem digeridos, como proteínas, “vazam”, antes de alcançarem o intestino delgado, causando um subsequente vazamento das mesmas (através da evacuação) antes dos nutrientes serem aproveitados.
O intestino é feito de células intestinais. Cada qual tem poros por onde os nutrientes essenciais de um alimento devem passar para atingirem o sangue e fazerem seu devido trabalho. Estas células são grudadas umas às outras com um tipo de “cola”. Através de alimentos refinados, contendo demasiado açúcar, gorduras e aditivos, ou de uma flora intestinal danificada, aparecem feridinhas (microscópicas) nesta “cola” intestinal, ao que se denomina “intestino vazado”. Devido a estas feridinhas, vários componentes alimentares prejudiciais, acabam entrando (vazando) no sangue. Sendo assim, o sistema imunológico entra em ação, o que pode causar:
-Enxaqueca;
-Dores reumáticas ou nas juntas;
-Fibromialgia;
-Eczema;
-Problemas do aparelho digestivo;
-Depressão e mais outros.
Não raramente ouvimos de famílias que fazem intervenção biomédica para ajudar seus filhos autistas, que o bem-estar físico e mental dos outros membros também melhora. Muitos pais adotam a mesma dieta que seus filhos, inicialmente para estimulá-los a manter a dieta. No entanto, acabam por perceber que seus próprios desconfortos físicos (ou mentais), também diminuem ou desaparecem.
Como iniciar a dieta
De preferência, a dieta deveria ser acompanhada por um médico conhecedor das intervenções biomédicas como o medico (funcional) integrativo, ortomolecular, homeopata ou um nutricionista, com experiência em tratar crianças com autismo. Muitos pais, no entanto, preferem iniciar a dieta sozinhos. Nesse caso, algumas dicas valem a pena:
– Marque uma data para iniciar a dieta e diga isso a seu filho da maneira que ele melhor possa entender. Se a criança não é verbal, mostre-lhe uma foto do produto que quer retirar primeiro e diga-lhe que irá trocá-lo por um outro. É importante a criança entender que não é um castigo, mas algo que vai lhe fazer bem. Não se esqueça que mesmo as crianças não-verbaispodem compreender ou captar o estado de espírito dos pais. Mostre-se compreensivo/a, mas firme na decisão de mudar sua dieta.
– Antes de retirar o glúten e a caseína (ou o açúcar), introduza aos poucos os novos alimentos que pretende adicionar à nova dieta. Sendo assim, a mudança será menos traumática para a criança.
– Retire um componente de cada vez. A maioria das crianças reage melhor desta maneira. Por exemplo: primeiro retire o glúten (pão, massas, biscoitos etc.); uma ou duas semanas depois (dependendo da criança), retire o segundo.
– Leve seu filho junto a você à loja de produtos naturais onde passará a comprar seus alimentos. Deixe que ele veja os novos produtos. Desperte sua curiosidade pelo novo produto! Atualmente existem alimentos sem glúten/caseína/açúcar muito saborosos. Se seu filho não gostar de um determinado produto, tente um outro. Algumas lojas deixam a criança provar um biscoito, ou pedaço de pão, antes que seja testado em casa.
– Aprenda a fazer alguns alimentos básicos, em casa, com os vários perfis de redes sociais direcionados a essas dietas. Alguns são bem simples, você vai se surpreender!
– Tente, no início da implementação da nova dieta, que os outros membros da família cooperem, usando também o leite alternativo (de arroz, amêndoa, ou o sem lactose), ou arroz, o pão ou macarrão sem glúten, os biscoitos adoçados naturalmente etc. A criança com autismo se sentirá parte do grupo e não, exceção – já basta ser exceção no resto! Com o tempo, a criança (e talvez o resto da família) vá se acostumar com a nova dieta e talvez perca o interesse total pelo alimento que antes tanto desejava (contendo o que lhe fazia mal). Acredite, isso aconteceu com meu próprio filho, que costumava ser tão rígido e tinha seletividade alimentar antes de fazer as dietas.
– SEJA CONSISTENTE! Não desista antes de pelo menos dois meses (para o glúten) e três semanas para a caseína. Lembre-se que o metabolismo de seu filho está sendo reciclado, desintoxicado e isso pode levar algumas semanas, dependendo da quantidade de parasitas, fungos e germes que tenham que ser eliminados. Vai ser difícil – nada é fácil quando o assunto é autismo, mas a vitória sempre é dos persistentes! Seu filho – principalmente nas duas primeiras semanas – pode chorar, espernear, gritar, ter surtos e se negar a ingerir qualquer produto. Aguente firme! Certifique-se que ele siga bebendo líquidos (sem leite e sem açúcar!), e você tenha já encontrado um produto de que goste sem o componente a ser retirado.
Nos casos mais extremos de fúria ou recusa a se alimentar, considere continuar a dar-lhe o alimento que quer retirar, mas em muito menor quantidade. Aos poucos vá diminuindo, até a criança acostumar-se totalmente com o alimento substituto.
A Teoria, na prática, é outra…
Falando por experiência própria, a idéia de retirar o que nossos filhos mais amam é de dar um frio na espinha (ou uma subida radical da pressão…). Para mim, há mais de 20 anos, foi um calvário. Meu filho, hoje com 27 anos e no nível de menor suporte, era viciado em leite, açúcar e glúten. Exatamente: tudo o que ele não deveria estar ingerindo. A retirada foi dificílima. Ele sofria, e eu também. Mas meu desejo de vê-lo bem era maior que meu sofrimento. Apesar de dos pesares, foi uma das melhores decisões que tomei.
Até hoje meu filho não toma leite de vaca. Ele diz não gostar, quando costumava consumir mais de 1 litro por dia do mesmo, até os cinco anos de idade. O glúten, ele voltou a consumir. Ao que parece – e como os holandeses costumam dizer – “hij is er overheen gegroeid” (” Ele superou o problema”). A frequencia e quantidade de estereotipias diminuíram e algumas desapareceram.
Surpreendentemente são as mães que acabam por se render ao sacrifício de verem seus pequenos gritando pelo leitinho ou pãozinho com glúten, pois temos aquela força animal que nos move adiante, focando no objetivo de melhorar a vida de de nossos pequenos. Imaginamos nossos filhotes como eram, antes do primeiro ano de idade, quando o autismo ficou tão evidente. Queremos o bem deles, queremos nossos filhos de volta! Autismo, sim, comorbidades limitadoras, não. É esse o grande estímulo para nos mantermos determinadas a reverter, ao menos, essa influência externa que pode causar ou piorar as comorbidades e comportamento em geral de nossos amados filhos.
Note bem que eu não pretendo dizer que autismo é causado por influências externas. Autismo é uma condição genética. No entanto, cada vez mais cientistas reconhecem a influência de fatores ambientais na manifestação de sinais do autismo num determinado grupo de crianças.
Corpo são, mente sã
Uma pergunta bastante frequente é: “Quando devo começar a dieta?” A resposta é “a qualquer momento”. Nunca é tarde para se começar algo bom, apesar de ser ideal começar a dieta o quanto antes. Qualquer criança, jovem e até adultos, podem ser beneficiados por um intestino saudável; inclusive, as que não são autistas. A influência dos fungos, parasitas, germes e bactérias que sobrevivem no nosso organismo devido aos alimentos que não deveríamos estar consumindo, é irrevogável. Apesar de muitos médicos (alopatas) não admitirem tal influência, por falta de pesquisas científicas complementares, mais extensas, os relatos pessoais de milhões de pessoas não mentem: a relação intestino-cérebro é real, influencia nosso bem-estar físico, mental e, consequentemente nosso comportamento.
Repito que o ideal seria fazer um acompanhamento geral por um médico especializado neste tipo de intervenção (com referências em autismo, de preferência). Este profissional não somente irá recomendar a dieta, como fará uma avaliação individual do organismo de seu filho, aplicará testes (alguns não são aplicados por um gastroenterologista alopata) a fim de identificar os alimentos que lhe afetam, em particular. Também deverá tratá-lo com antimicróbicos, o que fará uma grande diferença em seu comportamento. Pense aqui nos intensos movimentos repetitivos que podem ser diminuídos ou eliminados, bem como a agitação, irritabilidade, agressividade ou o “olhar vazio” também. Novamente, isso tudo comprova a conexão entre o cérebro e o intestino.
Se a sua curiosidade foi aguçada, recomendo a leitura do artigo científico (2024).
Fatima de Kwant reside na Holanda desde 1985, é jornalista pesquisadora do autismo, especialista em Autismo e Comunicação Social e mãe de um filho autista, adulto, que saiu do Nível 3 de suporte para o Nível 1.
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Perfeita colocação. Concordo em gênero, numero e grau. Prova viva é meu filho que evoluiu 60% inicial e em 2 anos apos, hj esta c mais de 85% em melhoria so c essa dieta sem glúten e caseína. Pra ele teve efeito quântico!
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Muito obrigada, Abel.
Um grande abraço e muito boa sorte para seu filho.
Fatima