Vídeos mostram contenções físicas, hematomas e alimentação forçada. Caso foi arquivado sem o depoimento da família, que agora cobra justiça.
Por Fatima de Kwant
Nosso site recebeu uma denúncia de Denise Rochinheski, mãe de Ricardo, uma criança autista com nível 3 de suporte, não verbal, envolvendo a unidade da APAE de Ijuí (RS). Segundo Denise, em 2023, ainda com sete anos, seu filho iniciou o processo de adaptação na instituição. No entanto, já no segundo dia de aula, Ricardo demonstrou resistência em voltar para a escola. A princípio, Denise acreditou que se tratava de uma fase comum de adaptação. Com o tempo, porém, passou a notar que o filho frequentemente chegava em casa com pequenos hematomas.

Ao ser questionada sobre os machucados, a diretora e a professora de Ricardo afirmavam que ele se feria durante crises ou que havia se ferido ao bater as pernas em mesas. Apesar das suspeitas, Denise optou por confiar nas responsáveis pela instituição. Quinze dias depois, após várias conversas, as funcionárias informaram à mãe que Ricardo não poderia mais sair da sala para se autorregular, nem utilizar o pedaço de barbante que costuma balançar para esse fim. Segundo a diretora e a professora, a justificativa era que a escola busca preparar as crianças para a vida em sociedade, motivo pelo qual proíbem objetos reguladores e comportamentos estereotipados.
Certo dia, ao buscar Ricardo na escola para levá-lo à terapia, Denise foi abordada pela professora, que informou que o menino havia se machucado no refeitório naquela manhã. “Ao chegar à clínica, percebi que ele estava com um hematoma enorme no braço”, conta Denise. “O psicólogo sugeriu que examinássemos o resto do corpinho dele. Eu quase morri… A dor foi imensa. Lembrei que, por vários dias, ele resistia a entrar na escola; precisava ser carregado até a sala de aula. O olhar perdido, cansado… Dormia assim que chegava em casa, o que era raro, porque ele é muito agitado. Fiquei arrasada. Tudo começou a fazer sentido.”

Denise registrou um boletim de ocorrência, submeteu o filho a exame de corpo de delito e procurou o Ministério Público. Para sua surpresa, o MP não acolheu a denúncia, alegando que o caso já havia sido formalizado na delegacia.

A partir do boletim de ocorrência, Denise conseguiu acesso a algumas imagens de vídeo. Em uma delas, é possível ver o momento em que um professor imobiliza Ricardo com uma “gravata”. Outro vídeo mostra o menino correndo pelo refeitório, aparentemente com medo de ser alcançado por uma professora. O Autimates está em posse de todas as imagens e gravações.
Denise retornou à delegacia e foi informada de que o caso de Ricardo havia sido arquivado, sob a justificativa de se tratar de um “acontecimento atípico” — decisão tomada sem o conhecimento da família, que aguardava há meses por uma convocação para prestar depoimento. Indignada e decepcionada, a mãe buscou apoio jurídico. A advogada consultada, no entanto, recomendou cautela, alertando que o caso poderia se voltar contra ela.
Mais uma vez, a denúncia foi encaminhada diretamente ao Ministério Público, por meio digital. O MP, por sua vez, arquivou novamente o caso, repassando-o à delegacia para investigação. A delegacia, no entanto, voltou a minimizar a gravidade da situação, alegando que o professor responsável pela contenção não havia cometido nenhuma irregularidade.

Enquanto isso, um dos vídeos revela Ricardo entrando calmamente no refeitório, embora demonstrando resistência em sentar-se para comer. Em seguida, o professor aparece forçando comida na sua boca e o mantém contido por quase 30 minutos, enquanto o menino se debate, visivelmente assustado.
Após o triste acontecimento e a negligência da diretora e professores da APAE, Denise retirou o filho do estabelecimento. Ricardo foi diagnosticado, logo após, com TPT ( Transtorno Pós-Traumático). “A APAE não me ofereceu ajuda, mas diante de tudo, nem eu queria mais nada lá”, afirma Denise, ainda abalada com os maus tratos e a omissão da escola.
Apesar do caso ter acontecido em 2023, Denise busca justiça para as crianças autistas, como Ricardo, que não tem como se defender, não são verbais e tem muitas comorbidades (transtornos coexistentes com o autismo).
O caso de Denise e Ricardo não são isolados. Os estabelecimentos mudam, mas a falta de preparo ao manejar-se comportamento de crianças autistas ainda e um dos maiores desafios para as instituições que recebem crianças dentro do Espectro Autista.
O caso de Ricardo levanta questões urgentes sobre a preparação de instituições para acolher crianças autistas com dignidade, respeito e segurança. O Autimates reforça seu compromisso em dar voz a famílias e indivíduos do espectro autista, buscando visibilidade, justiça e a construção de ambientes verdadeiramente inclusivos. Continuaremos a acompanhar os desdobramentos desta denúncia.
Leia a reação da Apae Ijuí aqui.

Fatima de Kwant – Escritora, jornalista pesquisadora do autismo, especialista em Autismo e Comunicação Social, mãe de um autista adulto e ativista internacional pela causa do autismo.
